Rio de Janeiro está de parabéns
E mais: Adriana Ferreira Silva indica EM ALGUM LUGAR LÁ FORA.
Não importa em que parte do Brasil você vive, a paisagem do Rio de Janeiro é facilmente reconhecível por qualquer um, tamanha é sua presença nas artes, na televisão, no imaginário coletivo do brasileiro. A antiga capital do país é sinônimo de gente festeira, é o berço do samba, uma cidade realmente maravilhosa — mesmo quando está caótica. Hoje, 1º de Março, o Rio de Janeiro completa 459 anos, e, para comemorar a data, selecionamos alguns trechos de livros de Dinah Silveira de Queiroz, autora paulistana que viveu na cidade, inclusive ali faleceu, e a homenageou situando nela suas tramas e até lhe dedicou inúmeras crônicas de sua intensa produção nesse gênero.
E o primeiro deles é de VERÃO DOS INFIÉIS, romance ambientado no final da década de 1960. Ao narrar um fim de semana chuvoso na vida de uma família de classe média abalada por questões psicológicas, religiosas e políticas num dos períodos mais turbulentos da história do Brasil, o leitor encontra muitas referências à cidade. É como um passeio pelas ruas do Rio:
“O percurso da Tijuca a Copacabana foi demorado. Mudanças no trânsito, uma torrente de seres prestativos ou curiosos a encaminhar-se para o Maracanã; um ar afanoso de mulheres de rosto enérgico e endurecido em responsabilidades pelo atendimento aos flagelados, sirenes de ambulâncias, tráfego contido entre barreiras assinalando uma perigosa depressão nas ruas semiencobertas em alguns lugares por poças d’água; pessoas expectantes atulhando as esquinas como seres absortos, mineralizados, embrutecidos pelas calamidades. Mas tudo isso de cambulhada com o Rio de sempre: morenas em trajes coloridos, fresquinhas e vivas; mulheres mais velhas saindo às compras diárias, explodindo protestos pela falta de mantimentos; um carteiro levando a notícia à família e se deixando ficar em conversa sobre o mau tempo, prognósticos de novos aguaceiros; até mesmo, já mais longe, na altura do Flamengo, universitários aparentemente em greve fazendo parar os veículos, com braçadeiras, numa campanha indevassável para Elvira e Malva.”
O Rio também aparece em alguns de seus contos de ficção científica, reunidos no volume DINAH FANTÁSTICA: CONTOS DE FICÇÃO CIENTÍFICA REUNIDOS. Em “A Universidade Marciana", a autora apresenta um Rio de Janeiro pós-apocalíptico, com paisagens alteradas pelas mudanças naturais:
“Naquela época eu era das poucas pessoas que habitavam Copacabana. As deploráveis consequências da trágica enchente que fizera unir o mar à Lagoa Rodrigo de Freitas e praticamente arrasara com Ipanema e Leblon ainda não haviam sido superadas. Os edifícios, em sua grande maioria, estavam arruinados. Não havia luz. Os encanamentos não funcionavam. Frequentemente, os prédios minados se esboroavam. Além disso, maltas de ladrões e de vagabundos bem se haviam instalado nos edifícios mais resistentes e impediam a volta das antigas famílias. Era então uma época muito deprimente para os cariocas. Criara-se a casta aristocrática dos brasilienses, que mostrava o Rio aos alunos de seus ginásios como o exemplo típico da incapacidade diante do progresso do planeta.”
Outro romance de Dinah ambientado no Rio é OS INVASORES — muita calma, “dinahfãs”, também relançaremos o livro! Assim como A MURALHA, escrito em comemoração ao quarto centenário da cidade de São Paulo, OS INVASORES celebra a mesma efeméride da fundação da cidade do Rio de Janeiro e foi originalmente publicado em 1965. Nele, acompanhamos uma das invasões francesas ao Brasil, quando, em 1710, piratas e corsários tomaram de assalto o litoral da capital fluminense. Mas, enquanto esse lançamento não chega, a gente te deixa com um gostinho dele. Mais um pedacinho do Rio de Janeiro por Dinah:
“Os invasores assumiram o papel de nobres militares rendidos em peleja. De Boiron, ao lado de Duclerc, o conde de Ruiz e alguns raros oficiais esperaram a saída das mulheres em posição de sentido. Duclerc estava gravemente ferido, o queixo sempre a sangrar; outros gemiam, meio mortos, esperando a prisão como alívio desta pior que fora, por um dia, a do Trapiche das fúrias soltas de uma cidade. Quando a porta se abriu, a primeira a sair foi a capitã. De cima do tonel, ela buscara a bandeira francesa. Ninguém mais lhe tiraria o troféu, nem mesmo o governador e em nome de El-Rei; que aquele fora obtido com o sangue de seu marido bem-amado. Um aluvião de povo, que rompera a disciplina da rendição, trouxe em seus braços Dona Inês. Mercê de Deus, estava bem viva, aquela por quem cuidava a população, de quem se dizia tanto bem e tanto mal. Não se sabia se avançava em liteira ou pelos braços portadores, que a sustinham para que ela dali pudesse escapar em dignidade. Contra a porta, um olho crescido de Dona Inês riscou tão sério e duro sobre Duclerc.”
Dinah Silveira de Queiroz foi uma cronista muito entusiasmada, tendo produzido o espantoso volume de cerca de nove mil textos, publicados em jornais e revistas e até veiculados em rádios. O volume CAFÉ DA MANHÃ, publicado em 1969, reúne uma boa seleção, mostrando essa faceta da autora como observadora do dia a dia nas várias cidades do mundo em que morou, entre elas o Rio de Janeiro. Nesta crônica, ela descreve o tipo de acontecimento insólito que só se vê nas ruas cariocas mesmo…
“Nem mesmo o inverno consegue dissipar essas rodas de esquina que tanto recordam, ainda no Rio, a fisionomia do interior. Moços que se reúnem para conversar. Não vão a bailes, não marcam encontro com a namorada, não querem saber de cinema, ou talvez não tenham dinheiro para isso. Ficam parados, como num complô estranho. Pertencem a algum clube? Tem alguma ideologia em comum? Nada disso. São jovens que se encontram porque moram na mesma rua, nada mais. A esquina da República do Peru com Avenida Copacabana é um ponto de reunião como milhares de outros nesta cidade. Acontece, porém, que há três dias aqueles moços calmos, risonhos, alguns vestidos mais a capricho, ostentando suas belas malhas de inverno, feitas por uma tia ou por uma amiguinha, foram sacudidos por uma discussão misteriosa que tinha — vista de longe — aspecto subversivo e passional. Esperava-se que se formasse um rolo. Correram algumas pessoas, e eu me vi na última fila dos assistentes. Pergunto o que há a um moço pequeno, de suéter branco, gola rulê. — É aquele homem, ali. Está chamando todo mundo de verme e diz que vem de outro planeta.”
Agora conta pra gente: qual seu livro preferido que se passa no Rio de Janeiro?
O que mais temos para hoje?
Coisas legais sobre livros e leitura e outros assuntos interessantes que vimos por aí
A Adriana Ferreira Silva fez um vídeo bem bacana indicando livros para se ler numa sentada, e entre eles está EM ALGUM LUGAR LÁ FORA, de Jabari Asim (trad. Rogerio W. Galindo)! Vem conferir.
E a Inteligência Artificial segue dando dor de cabeça para quem trabalha com livros: 81 de cada 100 livros publicados pela ferramenta de autopublicação da Amazon são escritos por IA, o que levou o site a limitar o número de publicações diárias dos usuários. Vem entender mais o que tá rolando.
Coisa que só o sebo proporciona:
Para encerrar: como não se ver nesse vídeo da Alana Azevedo?
E ficamos por aqui! Obrigada por passar mais esse instante com a gente, e até a próxima!