O redescobrimento de Dinah Silveira de Queiroz...
... e de sua obra complexa, heterogênea e plural
Após muito tempo esquecida pelos leitores brasileiros, a obra de Dinah Silveira de Queiroz vem ganhando um novo espaço no Brasil. Graças às reedições que fizemos, muitos entraram em contato, pela primeira vez, com livros como FLORADAS NA SERRA, A MURALHA e MARGARIDA LA ROCQUE: A ILHA DOS DEMÔNIOS.
Mas uma coisa que não podemos esquecer é que dentro das universidades ela sempre foi lida e estudada, e diversos artigos sobre sua obra foram publicados. As professoras Marlova Soares Mello e Rita Lenira de Freitas Bittencourt organizaram o livro A ficção científica de Dinah Silveira de Queiroz: Leituras e perspectivas teóricas (Bestiário, 2022), recheado de textos sobre a autora e também sobre seus contos de ficção científica que relançamos em DINAH FANTÁSTICA: CONTOS DE FICÇÃO CIENTÍFICA REUNIDOS — ELES HERDARÃO A TERRA E COMBA MALINA.
A seguir, leia um trecho de um desses artigos:
Dinah Silveira de Queiroz e a Modernidade negativa
Por Maria Salete Borba
Simplesmente “Dinah”
A escritora Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982) em “Carta a um incerto amigo", que é uma sorte de prefácio para o seu primeiro livro de contos dedicados à ficção científica, ELES HERDARÃO A TERRA (1960), depois de já ter publicado oito livros dedicados a outros gêneros — romance, biografia, teatro —, registra o seu desejo de ter assinado esse livro sem seu sobrenome, simplesmente, “Dinah".
"Pensei em assinar ELES HERDARÃO A TERRA simplesmente como Dinah. Deixaria o Silveira e o Queiroz de fora, e me apresentaria diante de meus leitores com a humildade e a simplicidade com que forjei esses enredos.”
Mais do que expor o desejo pela simplicidade, ela expõe a coragem de se desvincular, de se despir de uma linhagem de intelectuais conhecidos na época, que vinha à tona ao apresentar seu sobrenome. Era uma lista longa de tios e primos que se destacaram nas letras, na primeira metade do século XX, o que, pelo visto, passou a causar certo desconforto na jovem Dinah, como se verifica em seu comentário. Vale lembrar que nessa lista encontram-se também a prima, escritora reconhecida, Rachel de Queiroz, primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, que não caiu no esquecimento, como boa parte dos outros familiares; mas voltamos a Dinah, que segue descrevendo o seu desejo:
“Seria como se eu estivesse com meu peignoir velhinho, de trabalho, e de pés descalços. Mas Gumercindo Rocha Dórea fez questão do ‘Silveira de Queiroz', das duas famílias intelectuais, mais importantes do que a autora.”
A passagem acima revela que Dinah tinha a consciência de que seu trabalho enquanto escritora, ao invés de seguir a linhagem tradicional ou mesmo familiar, trilhava outros caminhos. É nessa busca pela neutralidade do nome próprio reivindicada por Dinah que podemos ler sua abertura para a multiplicidade dando, desse modo, espaço em seu trabalho literário para o estranhamento, para o incerto que é próprio da ficção científica, mas que deixa traços em toda a sua obra. Desse modo, a ousadia de querer assinar simplesmente “Dinah" traz em si a vontade de se dedicar à criação de uma obra desvinculada, quer seja da rede familiar, quer seja de um único gênero literário. Tal desejo se concretiza com grande força em seus contos dedicados à ficção científica. Dinah Silveira de Queiroz nos apresenta um fazer literário resultante da consciência de que somente é possível criar a partir do momento em que não há um único caminho a ser seguido.
Com os livros ELES HERDARÃO A TERRA (1960) e COMBA MALINA (1969), a escritora paulista ficou conhecida como uma das primeiras mulheres a integrar a primeira onda de ficção científica no Brasil. No entanto, Dinah já vinha publicando desde algum tempo, como já foi mencionado; em 1939, por exemplo, teve seu primeiro reconhecimento com o romance FLORADAS NA SERRA, cuja primeira tiragem foi esgotada em apenas vinte dias. Esse romance recebeu o Prêmio Antônio de Alcântara Machado (1940), oferecido pela Academia Paulista de Letras. Portanto, Dinah Silveira de Queiroz foi reconhecida em sua própria época, como enfatiza a maioria dos estudos sobre a escritora e, em 1955, FLORADAS NA SERRA foi adaptado ao cinema, sendo, novamente, um sucesso.
[…]
E eis que a partir de então Dinah continua sua jornada literária apresentando uma obra complexa, heterogênea e plural, que foi construída ao longo de quatro décadas, durante viagens intercontinentais que não a impediram de criar e de refletir sobre o seu presente, além de manter um contato com o Brasil, como Salienta Magalhães Júnior:
“Mesmo ausente — quer na Espanha, como adida cultural do Brasil, quer em Roma, em Moscou e, agora, em Lisboa, ou ainda no Japão e na Coreia do Sul, para o lançamento de vossos livros ali traduzidos, nunca deixais de estar presente no Brasil através das vossas mensagens matinais.”
Mesmo com todo o seu repertório que gerou sucesso e reconhecimento, Dinah Silveira de Queiroz, assim como outros de seus familiares, acabou sendo esquecida por um bom tempo. Pode-se afirmar que características como a complexidade, a heterogeneidade e a pluralidade, neste momento, são responsáveis por aproximá-la novamente do público leitor. É interessante lembrar que o que chama a atenção hoje, 2021, é que o público leitor de Dinah é, de maneira geral, bem especializado e formado por mulheres preocupadas em realizar uma leitura mais voltada para as questões do gênero.
Curtiu o trecho do artigo? Você pode ler ele completo e conhecer mais sobre a obra de Dinah no livro A ficção científica de Dinah Silveira de Queiroz: Leituras e perspectivas teóricas, organizado por Marlova Soares Mello e Rita Lenira de Freitas Bittencourt, que assina também o prefácio de DINAH FANTÁSTICA.
E, claro, leia Dinah Silveira de Queiroz!