Existe "literatura feminina"?
E mais: um "Vem aí" muito aguardado, de uma autora muito querida.
Ah, o Dia da Mulher… Quantas homenagens, quanto carinho por quem leva pedrada da vida todos os dias só por ter nascido — ou se tornado — mulher. Mas hoje o papo não é exatamente sobre homenagem. Não se discute o fato de existirem tantas mulheres talentosíssimas na literatura, e já deveria ser mais do que comum ler essas escritoras sem ter de colocá-las na categoria de “literatura feminina”, como se mulheres escrevessem apenas para outras mulheres, como se isso fosse literatura de nicho.
Na explicação geral do termo, “literatura feminina” é aquela feita por mulheres ou “dirigida para” mulheres, mesmo se produzida por um homem (o famoso “chick-lit”, por exemplo). Ou seja, colocam no mesmo balaio coisas extremamente diferentes, guiando-se apenas pela ideia equivocada de que ao público feminino só interessa aquilo que vem com o rótulo “mulheres”. (Isso não ocorre só na literatura, que fique bem claro. A indústria de alimentos, de cosméticos e de outros bens de consumo vive estampando um “para mulheres” nos rótulos de seus produtos.)
Agora pense um pouquinho: por acaso você já viu alguém se referindo aos livros escritos por homens como “literatura masculina”? Difícil, né? Ninguém fala que Machado de Assis, Dostoiévski, José Saramago, Gabriel García Marquez ou outros autores de renome fizeram literatura para homens — e, quando brincamos com isso, sempre vem um homem chorar que ele está sendo “diminuído”. O consenso geral é que tudo o que os homens escrevem é universal, relevante para todas as criaturas que leem. Claro, isso é resquício da sociedade patriarcal, de momentos da história em que a literatura era dominada por homens e mulheres mal encontravam espaço (ou nem sequer tinham permissão) para publicar.
E hoje, pleno século XXI, será que a gente precisa aceitar esse tipo de classificação limitada? Para muitas autoras e críticas literárias, é preciso superar esse termo, porque ele carrega em si a ideia de que mulheres seriam incapazes de criar ou abordar temas com tanto rigor e sagacidade como os homens — o que sabemos que é algo totalmente falacioso.
Sigrid Nunez comenta em SEMPRE SUSAN: UM OLHAR SOBRE SUSAN SONTAG (trad. Carla Fortino): “[Susan] certamente se opusesse à ideia de Woolf de que existia na literatura algo como ‘a sentença de uma mulher’; […] nem mesmo admitia que existisse no mundo essa coisa de ponto de vista de uma mulher”.
Quem também tem muito a dizer sobre o assunto é Ariana Harwicz, que escreve em O RUÍDO DE UMA ÉPOCA (trad. Silvia Massimini Felix):
“Quando jornalistas, mediadores e editores de qualquer festival e encontro literário de diversos países enfatizam que somos ‘escritoras mulheres + nascidas nos anos 1970 + latino-americanas’, o que buscam é nos alienar. Somos reunidas sob um mesmo lema, uma associação, uma condição, uma cota: o combo de sermos mulheres, da mesma geração e latinas. Isso pode parecer uma política de apoio, visibilidade, inclusão e justiça diante de séculos de apagamento da mulher em todas as áreas, e a princípio pode ter sido assim. Hoje acredito que esse discurso, onipresente e totalizante, é contrário à valorização de uma língua, de uma obra, de um universo ficcional. A única condição de um escritor, seja de qual geração, cultura e época ele for, é a de ser único e irredutível.”
E você, o que acha desse termo?
O que será que vem aí?
Bora fazer nosso gostoso esquenta para o próximo lançamento da Instante? Comente aqui embaixo seu palpite de qual livro será a nossa novidade de abril!
O que mais temos para hoje?
Coisas legais sobre livros e leitura e outros assuntos interessantes que vimos por aí
Para anotar na agenda: a Livraria 3x4 divulgou sua agenda de março e tem vários eventos bacanas, entre eles um bate-papo com a Silvia Massimini Felix, tradutora de DEGENERADO e O RUÍDO DE UMA ÉPOCA, ambos de Ariana Harwicz, sobre traduzir autoras latino-americanas. Além disso, MARIA ALTAMIRA, de Maria José Silveira, será o livro de março do clube de leitura.
Para quem é de Campinas, amanhã vai rolar um bate-papo com a autora Liliane Prata sobre ELA QUERIA AMAR, MAS ESTAVA ARMADA na Livraria Candeeiro! Anota aí:
O mundo literário essa semana está enfrentando desafios que, em pleno 2024, a gente gostaria que já estivessem superados. É o caso do romance O avesso da pele, de Jeferson Tenório, que foi retirado de escolas por conta de “conteúdo impróprio”. Vem entender o que aconteceu.
Falando em censura, lá nos Estados Unidos não é raro que algum livro seja barrado em escolas e bibliotecas por conta de seu “conteúdo subversivo”. Mas felizmente eles têm RuPaul, que criou uma livraria online e um ônibus todo colorido para distribuir obras que estão na lista dos censores. Saiba mais.
Olha essa preciosidade: o site The Public Domain Review disponibilizou uma galeria com imagens de capas de livros publicados entre 1820 e 1914 mostrando como era o design daquela época em que os livros começaram a se tornar mais populares. Qual é a sua preferida? Vem ver aqui!
Para encerrar: um dia na vida de um shitzu.
Obrigada por ter passado mais esse instante aqui com a gente e até semana que vem!
Muito, muito bom! Ótima reflexão. Falamos tanto do termo "chick-lit" que acabamos esquecendo do restante das literaturas vistas como femininas. Adorei!