A arte do ensaio: a leitura que fomenta o debate de ideias
E mais: semana de reflexões importantes e atuais no nosso giro de notícias.
Todo leitor tem seus gêneros literários preferidos. Provavelmente, você que está lendo esta newsletter é fã de ficção, de romances que levem a refletir sobre a condição humana, com seus problemas e estranhezas — afinal, é isso o que gostamos de publicar aqui na Instante. Há quem seja aficcionado por poesia, teatro, quadrinhos e também por um gênero importantíssimo que nos ajuda a pensar todos os outros: o ensaio.
Quando se fala de ensaio, logo vem em mente algo acadêmico, mas sua natureza é diferente do discurso acadêmico/científico, pois não depende de um método rigoroso e de análises empíricas. Ainda que em seu processo de construção seja possível recorrer ao diálogo com outras obras e autores, no ensaio o autor discute um tema específico por meio de reflexões pessoais, sem a intenção de esgotá-lo, podendo combinar elementos poéticos e objetivos. Um ponto importante é a liberdade para percorrer caminhos argumentativos que conectem o tema abordado a outros assuntos.
E onde e com quem surgiu esse gênero? No fim do século XVI, o filósofo francês Michel de Montaigne compilou seus escritos dando a eles o título de Essais (sim, ensaios em francês); ele queria transmitir a ideia de que eram tentativas, simples esboços literários (o termo francês deriva do verbo essayer, que significa “tentar”). Na Inglaterra, o filósofo Francis Bacon também seguiu caminho semelhante, e assim ambos deram os primeiros passos em uma modalidade de texto que, séculos mais tarde, se tornaria um dos principais modos de organizar pensamentos entre críticos e filósofos, além de ter uma influência significativa na história.
Aos poucos, o ensaio começou a ter grande popularidade, por permitir que os leitores discutissem os temas em cafés e conversas informais, e entre os séculos XVII e XIX inúmeros autores se dedicaram com maestria ao gênero: o inglês Daniel Defoe (o “pai” de Robinson Crusoé); os franceses Montesquieu e Voltaire; nos Estados Unidos, Henry David Thoreau; em Portugal, Antero de Quental e Alexandre Herculano; na Rússia, Tolstói. No século XX, a produção de ensaios explodiu de vez, e até mesmo autores consagrados na ficção se dedicaram ao gênero: George Orwell, Albert Camus, Toni Morrison, Virginia Woolf, Mario Vargas Llosa, entre tantos outros.
Também houve quem fizesse o caminho contrário: se consagrasse como ensaísta, mas desejasse ser uma grande romancista. Sim, ela mesma: Susan Sontag, que provavelmente plantou em Sigrid Nunez a curiosidade por esse tipo de texto, algo que fica nítido quando lemos os romances tão peculiares e envolventes de Nunez, que carregam um olhar ensaístico que deixa tudo mais rico.
E, hoje, temos visto as livrarias recebendo mais e mais livros de ensaios que vêm ganhando o gosto do público: Rosa Montero, Olga Tokarczuk, Anne Carson e Sinéad Gleeson. Aqui na Instante, temos três livros de ensaios imperdíveis: O MUNDO QUE HABITA EM NÓS: REFLEXÕES FILOSÓFICAS E LITERÁRIAS PARA TEMPOS (IN)TENSOS, de Liliane Prata, DEPOIS DO FIM: CONVERSAS SOBRE LITERATURA E ANTROPOCENO, organizado por Fabiane Secches, e ANIMALIDADES: ZOOLITERATURA E OS LIMITES DO HUMANO, de Maria Esther Maciel. Todos eles trazem reflexões sobre como a literatura representa nossa relação com o mundo.
E esse atual interesse se conecta com o que difundiu o gênero no passado: mesmo quando não concordamos com o ponto de vista do autor, ou com algumas de suas escolhas, a leitura de ensaios abre nossa mente para novas interpretações e novos pensamentos. É o texto que convida para o debate, algo indispensável nestes tempos que vivemos. “Pensar é pôr em tensão, ao mesmo tempo, duas coisas opostas”, escreve Ariana Harwicz nas notas que abrem seu novo livro, O RUÍDO DE UMA ÉPOCA, que será lançado no próximo mês. Já adiantamos que não vão faltar provocações da autora em seus ensaios, aforismos e correspondências, pois seu objetivo é justamente colocar em discussão como nos relacionamos com a literatura, o que esperamos dela, qual é a sua função dentro do debate de ideias.
E aí, te convencemos a se jogar nos ensaios?
O que mais temos para hoje?
Coisas legais sobre livros e leitura e outros assuntos interessantes que vimos por aí
Já escolheu sua leitura de fevereiro? O Listão da Semana da Quatro Cinco Um indicou EM ALGUM LUGAR LÁ FORA, de Jabari Asim (trad. Rogerio W. Galindo), nosso primeiro lançamento do ano que já está em todas as livrarias.
Silvio Testa, fundador e publisher aqui da Instante, escreveu para o site Rio Bravo sobre a necessidade de debater a formação de novos leitores. “Em qualquer mercado, seja qual for o seu tamanho, existem regras e exigências que serão as mesmas, conforme critérios já estabelecidos pelas grandes empresas. No mercado editorial, isso não é diferente. Mas tem outro elemento que merece destaque: é necessário formar novos leitores.” Vem conferir o texto!
Teve um papo bacana lá no podcast Café da Manhã, da Folha de S.Paulo, sobre por que os livros ainda são censurados por esse mundão. Vale a pena ouvir!
No novo livro de Ariana Harwicz (olha mais spoiler!), ela discute a questão de separar o artista da obra. Isso nos remete à “polêmica” literária que rolou na semana passada: tentaram “cancelar” Franz Kafka por causa de suas preferências sexuais. Vem entender essa treta!
Quer ficar por dentro dos principais eventos culturais que vão rolar no Brasil em 2024? Então vem aqui conferir esse calendário.
Para encerrar, este compilado que vai te trazer alegria.
E ficamos por aqui! Obrigada por passar mais esse instante com a gente, aproveitem bem o Carnaval e até semana que vem!