A ficção se tornou realidade
E mais: bate-papo virtual com Ariana Harwicz amanhã, sábado, no canal da Sala Tatuí no YouTube.
Na semana passada, compartilhamos esta reportagem da Folha de S.Paulo, “Crise climática transborda a estante da ficção científica para engolir a literatura”. No texto, o jornalista Walter Porto conversa com autores e pesquisadores sobre como as mudanças climáticas muitas vezes são tratadas como inverossímeis dentro da ficção, sendo acomodadas em categorias que trabalham muito com a suspensão da realidade, como a fantasia e a ficção científica.
Mas, diante das catástrofes causadas pela crise climática — que não deixa de ter contornos políticos, uma vez que autoridades continuam ignorando e até mesmo negando todos os alertas —, fica difícil categorizar a literatura que trata de suas consequências como mera invenção, fantasia, algo difícil de acontecer no mundo real. Porto cita, por exemplo, as palavras do escritor indiano Amitav Ghosh: "É como se, na imaginação literária, as mudanças climáticas fossem de alguma forma semelhantes a extraterrestres ou viagens espaciais”.
Bem, não são mais, né? Agora, eventos climáticos extremos nos mostram que a ficção científica é bem calcada na realidade, e editoras e escritores devem se debruçar sobre os efeitos dessas mudanças na sociedade e no cotidiano das pessoas para além da especulação fantástica.
Parte do papel da literatura é informar, transmitir experiências entre as pessoas e chamar a atenção para determinados temas. E, no momento atual, falar desse que é um dos maiores desafios da nossa época se configura mais do que necessário. No texto de apresentação da coletânea de ensaios DEPOIS DO FIM: CONVERSAS SOBRE LITERATURA E ANTROPOCENO, a organizadora Fabiane Secches cita a Nobel de Literatura Olga Tokarczuk para falar sobre como essa discussão não pode ser ignorada:
“Tokarczuk lembra que estamos conectados à comida que comemos, à roupa que vestimos, aos livros que lemos. Estamos conectados às pessoas que amamos e às que vivem do outro lado do planeta, também às que viveram ou viverão em outras épocas. Somos responsáveis por rios, oceanos, plantas, animais, por toda a gente. Somos responsáveis pelo mundo, na melhor e mais importante acepção da palavra responsabilidade. Somos responsáveis porque somos parte.”
O Antropoceno não pode mais ser encarado como um conceito restrito a um nicho de pesquisadores, ele precisa ganhar a frente do debate, pois o que estamos vivendo comprova que as ações humanas impactam a natureza e o funcionamento dos ecossistemas. Este é um fato que não pode ser negado: fazemos parte deste mundo, o resultado de nossas ações é inevitável, ainda mais quando somos uma espécie “dominante” que explora todos os recursos naturais disponíveis. Quando a literatura fala de mudanças climáticas, por mais fantasioso que possa parecer, ela está trazendo para a ficção mais um elemento da realidade que deve ser levado a sério.
DEPOIS DO FIM apresenta muitas reflexões importantes para estes tempos. Ao falar de obras como A queda do céu, de Davi Kopenawa, Floresta é o nome do mundo, de Ursula K. Le Guin, e Sobre os ossos dos mortos, de Tokarczuk, os textos nos mostram como o Antropoceno está sendo discutido dentro do meio literário, ao mesmo tempo que denuncia como chegamos até aqui. Como Secches coloca na apresentação:
“[…] podemos dizer que, de forma geral, o modo de vida neoliberal, produtor de exclusões sociais, culturais e econômicas, é criticado sob diversos aspectos. A ideia otimista do humanismo, antropocêntrica, também é colocada em xeque — principalmente porque, em seu centro, sempre existiu uma ideia muito específica de quais seres humanos estariam no topo da hierarquia e fariam parte da ‘espécie vencedora’, enquanto tantas pessoas, animais, florestas, matas, rios, lagos e oceanos são transformados em meros produtos a serem explorados num utilitarismo narcísico.”
Se você quer enveredar por leituras que falem sobre o presente e o futuro do planeta, sem alarmismo, mas também sem negar a dura realidade, DEPOIS DO FIM é uma oportunidade para conhecer obras e autores que cumprem esse papel. Nele você encontra ensaios de Ana Rüsche, Aurora Bernardini, Christian Dunker, Daniel Munduruku, Fabiane Secches, Giovana Madalosso, Itamar Vieira Junior, Maria Ester Maciel, Micheliny Verunschk, Natalia Timerman, Paula Carvalho, Paulo Scott e Tulio Custódio sobre como podemos “adiar” esse fim ou, então, pensar em novas perspectivas para quando ele chegar.
O que mais temos para hoje?
Coisas legais sobre livros e leitura e outros assuntos interessantes que vimos por aí
Amanhã, 8/6, às 15h, vai rolar o bate-papo no canal da Sala Tatuí no YouTube com Ariana Harwicz! Já salva esse link onde vai rolar a transmissão e conheça o livro mais recente da autora, O RUÍDO DE UMA ÉPOCA (trad. Silvia Massimini Felix).
Juliana Borges escreveu para a revista Quatro Cinco Um sobre o livro TORTURA BRANCA, de Narges Mohammadi (trad. Gisele Eberspächer). “Ao longo da leitura, enquanto os relatos me atravessavam, me perguntei muitas vezes: ‘O que as move?’, ‘teria eu essa capacidade de resistência?’. E escutava em seguida a voz imaginada de Mohammadi me dizendo: todas temos o poder de resistir, não porque somos heroínas, mas porque luta e liberdade têm nomes de mulher.” Leia aqui.
Falando em Narges Mohammadi, tá rolando um abaixo-assinado pedindo que o novo julgamento da Nobel da Paz seja realizado em um júri público. Bora assinar!
E o Jornal Rascunho recomendou a leitura de EM ALGUM LUGAR LÁ FORA, de Jabari Asim (trad. Rogerio W. Galindo), na edição de junho! Vem ler aqui. E não se esqueça que Jabari virá ao Brasil e estará na programação d’A Feira do Livro, que acontecerá de 29 de junho a 7 de julho em São Paulo.
A newsletter sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa, da Taize Odelli, falou sobre AOS MEUS AMIGOS, de Maria Adelaide Amaral. Vem ler!
Bora falar de tipografia e design? O Cadu Carvalho apresentou duas fontes brasileiríssimas lá na newsletter Tipo Aquilo. Vem ver!
Para encerrar, que vocês tenham uma semana confortável e preguiçosa como Dorinha em sua rede.
E ficamos por aqui! Obrigada por passar mais esse instante com a gente e até a próxima!